terça-feira, 14 de outubro de 2014

Almas Perfumadas

(Ana Jácomo fala de sua avó Edith no maravilhoso texto abaixo. Uma linda homenagem!)




"Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando ri. Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda. Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver.

Tem gente que tem cheiro de colo de Deus. De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul. Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis. Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo. Sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não liga pra isso. Ao lado delas, pode ser abril, mas parece manhã de Natal do tempo em que a gente acordava e encontrava o presente do Papai Noel.

Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos acender na Terra. Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza. Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria. Recebendo um buquê de carinhos. Abraçando um filhote de urso panda. Tocando com os olhos os olhos da paz. Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave que sua presença sopra no nosso coração.

Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa. Do brinquedo que a gente não largava. Do acalanto que o silêncio canta. De passeio no jardim. Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de dentro e que a atração que realmente nos move não passa só pelo corpo. Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar. Ao lado delas, a gente lembra que no instante em que rimos Deus está dançando conosco de rostinho colado. E a gente ri grande que nem menino arteiro.

Costumo dizer que algumas almas são perfumadas, porque acredito que os sentimentos também têm cheiro e tocam todas as coisas com os seus dedos de energia. Minha avó era alguém assim. Ela perfumou muitas vidas com sua luz e suas cores. A minha, foi uma delas. E o perfume era tão gostoso, tão branco, tão delicado, que ela mudou de frasco, mas ele continua vivo no coração de tudo o que ela amou. E tudo o que eu amar vai encontrar, de alguma forma, os vestígios desse perfume de Deus, que, numa temporada, se vestiu de Edith, para me falar de amor."
Por  Ana Jácomo



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Também pude ver minha mãezinha-avó nesse texto. Uma avó que tinha mesmo era cheiro de mãe. Não me mimou. Antes, me deu todo amor que uma mãe madura pode dar. Ralhava comigo muitas vezes sim, mas também me ensinava através de pequenas histórias com lições; através de provérbios, que ela chamava de "ditados antigos"; através das histórias da sua juventude e também pequenas histórias da Bíblia. Um dia, estávamos sentadas num degrauzinho da porta da cozinha (eu tinha seis anos), e ela me disse pra eu prestar atenção no que ela iria me dizer e que jamais deveria esquecer. Então, ela me disse: "filha, só faça aos outros aquilo que você gostaria que fizessem a você, e nunca faça com ninguém  o que você não gosta que façam com você. Filha, em sua vida, sempre trate os outros como você quer ser tratada". Nunca esqueci daquele dia, daquelas palavras. Mais tarde descobri que a regrinha de ouro estava na Bíblia, e fora dita por Jesus. Claro que nem sempre em minha vida consegui agir assim, mas jamais me esqueci desse ensinamento. Minha vó-mãe me deu exemplos e também valores, mas não deixou de me cobrir de afeto e cafunés. 
Seu nome era Belinha. Sim, esse era seu nome e não um diminutivo ou apelido. 
Vó Belinha amava as plantas, especialmente as flores! Plantava em nosso jardim, inúmeros tipos de flores, que perfumavam nosso quintal e nossas vidas.
Vó Belinha tinha cheiro de simplicidade... ela tinha mesmo era cheiro de roça, de bolo de fubá e café quentinho no bule.
À tarde, ela sempre fazia algo diferente e gostoso pra gente. Era bolinho de chuva; aipim quentinho com manteiga; banana cozida ou frita com canela; beiju de tapioca cheinho de coco, cuscuz de fubá ou ainda um mingauzinho quentinho.
Ela tinha uma mania de guardar sabonetes em uma cômoda (que ela chamava de camiseiro), que quando a gente abria as gavetas, pra pegar uma toalha de banho ou um lençol, saía um cheirinho delicioso.  
Todos esses cheiros e sabores que minha avó-mãe produzia em minha infância e juventude só me fazem lembrar de um cheiro especial: cheiro de amor!
Josy

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