quarta-feira, 31 de outubro de 2012

"Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra"

Conheci a (possível) carta do Cacique Seattle quando cursava o antigo "Curso Normal" (Formação de Professores do Ensino Fundamental)... Era 1984, mas até hoje estas palavras me comovem da mesma forma que me comoveram naquele dia. Ainda fico com a voz embargada ao ler tais palavras. A triste emoção vem por ver acontecendo dia a dia, o que na carta está escrito: a destruição de nossa terra e o desrespeito ao índio.



Sobre a origem da carta:
 Em 1854, o presidente dos Estados Unidos propôs ao chefe indígena Seattle, que vendesse ao Governo Americano uma grande área de terras dos índios Peles-vermelhas, prometendo uma reserva para que nela eles pudessem viver. A resposta do cacique (Chefe Seattle), teria vindo através de uma carta ao Presidente Franklin Pierce. Esta carta é uma profunda declaração de amor ao Meio Ambiente, porém sua autenticidade não é comprovada. Por haver mais de uma versão da carta, não se pode afirmar qual é a verdadeira e nem se realmente o Cacique Seattle a escreveu. Bem, a famosa "carta", pode ter sido, na verdade, um texto publicado em um jornal  local, baseado em uma inspirada reflexão que o Cacique Seattle fez para sua tribo, reunida naquele deslumbrante cenário natural (os índios peles-vermelhas viviam onde atualmente se encontra o estado de Washington - no extremo noroeste dos Estados Unidos, fazendo divisa com o Canadá). O discurso (reflexão) do Cacique sobre a relação do homem com a natureza, teria sido uma resposta à proposta presidencial de compra de terra, trazida pessoalmente pelo recém-chegado encarregado de assuntos indígenas do governo norte-americano.

O primeiro registro conhecido sobre a fala do Cacique Seatlte é um artigo publicado pelo Dr. Henry Smith, no Jornal Seattle Sunday Star, em 1887. O Dr. Smith teria estado presente quando do pronunciamento do Grande Cacique, tendo o texto do artigo se baseado nas anotações que seu autor teria feito na ocasião do discurso.

Abaixo, o texto do Dr. Smith, com as profundas impressões que teve na ocasião do discurso. Esse texto traz a impressionante descrição que o Dr. Smith fez sobre  local onde o fato ocorreu, sobre a atitude dos ouvintes - de profundo silêncio e atenção e, mais impressionante ainda, sobre a forte, solene e carismática personalidade do orador e, finalmente, sobre a forma com que a fala foi proferida. De fato, o cenário descrito faz com que nos perguntemos se aquele não foi um daqueles raros  e mágicos momentos da história da humanidade em que um coração forte, sensível e inspirado, consegue verbalizar palavras que chegam  fundo no coração de outros homens. Mesmo, que estes outros homens, tomem conhecimento daquelas palavras, muitos e muitos anos depois... confirmando o que disse Seattle:  "Minhas palavras são como as estrelas, que não empalidecem".

Cacique Seattle

A seguir, o texto do Dr. Henry Smith:



"O velho cacique Seattle era o maior índio que eu jamais havia visto. E o que tinha aparência mais nobre. Em seus mocassins, ele media mais de 1,80m, ombros largos, tórax amplo e traços finos. Seus olhos eram grandes, inteligentes, expressivos e amigáveis quando em repouso, e espelhavam fielmente os variados estados de espírito da grande alma que olhava através deles. Normalmente ele era solene, calado e digno, porém nas grandes ocasiões movia-se na multidão como um Titã entre Liliputianos, e o que dissesse era lei.

Quando se levantava para falar, em reuniões, ou para oferecer conselho, todos os olhos se voltavam para ele, e então frases profundas, sonoras e eloqüentes fluíam de seus lábios assim como trovões de cataratas fluindo continuamente de fontes inexauríveis. Suas diretrizes soavam tão nobres como teriam soado aquelas do mais cultivado chefe militar que estivesse no comando das forças de todo o continente. Nem sua eloqüência, nem sua dignidade ou sua graça haviam sido adquiridas. Elas eram tão próprias da sua personalidade quanto as folhas e as flores o são em um pessegueiro em flor.

Sua influência era maravilhosa. Ele poderia ter sido um imperador, mas todos os seus instintos eram democráticos, e ele comandava os seus leais cidadãos com suavidade e com paternal benignidade.

Ele sempre era alvo de especial atenção pelo homem branco, principalmente quando sentado à sua mesa. Era nessas ocasiões que ele demonstrava, mais do que em qualquer outro lugar, o cavalheirismo que lhe era genuíno.

Assim que o Governador Stevens chegou em Seattle e disse aos nativos que tinha sido indicado com comissário para assuntos indígenas para o território de Washington, estes lhe prepararam recepção frente dos escritórios do Dr. Maynard's, na margem próxima da Rua Principal - Main Street. A baía enxameava de canoas enquanto a margem esta tomada por uma morena e movimentada massa humana. Quando o timbre de trombeta da voz do velho cacique espalhou-se sobre a imensa multidão como o rufar de um tambor, formou-se um silêncio tão instantâneo e perfeito como aquele que segue o crack do trovão em um céu limpo.

Sendo então apresentado à multidão nativa pelo Dr. Maynard, em um tom conversacional, direto e objetivo, o Governador deu imediatamente início a uma explanação sobre sua missão, que é conhecida demais.

Quando ele se sentou, o cacique Seattle levantou-se com a dignidade de um Senador que carrega em seus ombros a responsabilidade sobre uma grande nação.

Colocando uma mão sobre a cabeça do Governador, e lentamente apontando para o céu com o dedo indicador da outra, em tom solene e impressionante, começou seu memorável pronunciamento."

- O texto acima foi tirado de: "Trechos de um diário: O cacique Seattle: Um cavalheiro por Instinto" - 10º artigo da série "Primeiras Reminiscências - Seattle Sunday Star, 29 de outubro de 1887 do articulista Henry Smith.



Bem,  pronunciamento verbal ou  carta, o fato é que tais palavras parecem ter brotado mesmo do coração puro e simples de um índio cheio de reconhecimento à natureza por tudo de bom que ela dá ao homem.

A carta se tornou um documento importante e que merece uma reflexão atenta, pois é uma lição que deve ser  cultivada por esta e pelas futuras gerações.

Decorridos quase dois séculos deste discurso, seus ensinamentos permanecem atuais e proféticos para todos aqueles que sabem enxergar no fundo, o conteúdo de sua mensagem.

A carta do cacique Seattle é uma lição inesgotável de amor à natureza e à vida, que permanece na consciência de milhões de pessoas em todas as partes do mundo. Todos aqueles que amam a natureza e tudo o que nela vive, admiram tais palavras.

A cada leitura, renovamos os ensinamentos que ali estão. Serve para ler e reler e passar adiante para que todos a conheçam.


No Brasil, existiam em torno de quatro milhões de indígenas quando os colonizadores chegaram. Hoje restam cerca de 300 mil! Embora o indígena tenha contribuído de forma essencial para a miscigenação da raça brasileira, é certo que foram sendo expulsos de suas terras pelos exploradores e eliminados por doenças contraídas  através do convívio com os brancos.

Atualmente, continuam sofrendo a invasão de suas terras por madeireiros, fazendeiros e garimpeiros, seus principais algozes.

Os indígenas possuem conhecimentos sobre plantas e animais e formas de viver em harmonia com a natureza... sabedoria milenar que precisamos aprender a cultivar e preservar.

A história dos indígenas em cada país onde existiam, antes do homem branco, é diferente nas suas particularidades, mas no seu conteúdo são iguais. Nos Estados Unidos ou no Brasil, os problemas enfrentados pelos indígenas foram os mesmos. Daí esse sentimento de solidariedade e cooperação que existe entre os diferentes povos indígenas e essa sabedoria milenar da qual todos nós temos muito que aprender.


A carta ou pronunciamento verbal do Cacique Seattle ao presidente norte-americano: 


    "O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade.

Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.

Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia nos parece estranha. Nós não somos donos do frescor do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, cada punhado de areia das praias, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.

A seiva que circula nas árvores, carrega consigo as recordações do homem vermelho.
Para nós, somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos.  Os picos rochosos, os sucos úmidos nas campinas, o calor  que emana do corpo de um mustang, e o homem - todos pertencem a mesma família.

Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós. O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra.

Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós. Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo.

O murmúrio das águas é a voz dos meus ancestrais. Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos, e seus também. E, portanto,vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de a conquistar, ele vai embora, deixa para trás os túmulos de seus antepassados, e nem se importa. Arrebata a terra das mãos de seus filhos e não se importa. Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mãe - a terra - e seu irmão - o céu - como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou miçanga cintilante. Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto.

Não sei... Nossos costumes diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos olhos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende.

Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das asas de um inseto. Mas talvez assim seja por ser eu um selvagem que nada compreende; o barulho parece apenas insultar os ouvidos. E que vida é aquela se um homem não pode ouvir a voz solitária do curiango ou, de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo? Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento a sobrevoar a superfície de uma lagoa e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva do meio-dia, ou recendendo a pinheiro.

O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum - os animais, as árvores, o homem.

O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida, também recebe o seu último suspiro. E se te vendermos nossa terra, deverás mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, adoçado com a fragrância das flores campestres.

Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir. Tenho visto milhares de bisões apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem em movimento. Eu sou um selvagem e não compreendo como um  fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que um bisão, que nós, índios, matamos apenas para o sustento de nossa vida. 

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. Tudo está relacionado entre si.

Vocês devem ensinar as suas crianças que o solo a seus pés, é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem as suas crianças, o que ensinamos as nossas, que a terra é nossa mãe. Tudo que acontecer a terra, acontecerá aos seus filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.

Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence a terra.

Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo. O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará.

Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, envenenando seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias - eles não são muitos. Mais algumas horas, mesmos uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que têm vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará, para chorar sobre os túmulos de um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.



Nem o homem branco, cujo Deus com ele passeia e conversa como amigo para amigo, pode ser isento do destino comum. Poderíamos ser irmãos, apesar de tudo. Vamos ver, de uma coisa sabemos que o homem branco venha, talvez, um dia descobrir: nosso Deus é o mesmo Deus. Talvez julgues, agora, que o podes possuir do mesmo jeito como desejas possuir nossa terra; mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira e é igual sua piedade para com o homem vermelho e o homem branco. Esta terra é querida por ele, e causar dano à terra é cumular de desprezo o seu criador. Os brancos também vão acabar; talvez mais cedo do que todas as outras raças. Continuas poluindo a tua cama e hás de morrer uma noite, sufocado em teus próprios desejos.



Porém, em seu desaparecimento, vocês brilharão com intensidade, queimados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e, por algum desígnio especial, lhes deu o domínio sobre esta terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é para nós um mistério, pois não podemos imaginar como será, quando todos os bisões forem massacrados, os cavalos selvagens domados, os recantos secretos das florestas carregados de odor de muita gente e a vista das velhas colinas manchadas por fios que falam.

 Onde está o bosque? Acabou. Onde estará a águia? Irá acabar. Restará dar adeus à andorinha e à caça; será o fim da vida e o começo da luta para sobreviver.

Compreenderíamos, talvez, se conhecêssemos com que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais as visões do futuro que oferece às suas mentes para que possam formar desejos para o dia de amanhã. Somos, porém, selvagens. Os sonhos do homem branco são para nós ocultos, e por serem ocultos, temos de escolher nosso próprio caminho. Se consentirmos, será para garantir as reservas que nos prometestes. Lá, talvez, possamos viver o nossos últimos dias conforme desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará vivendo nestas floresta e praias, porque nós a amamos como ama um recém-nascido o bater do coração de sua mãe.

Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Preteje-a como nós a protegíamos. Nunca esqueças de como era esta terra quando dela tomaste posse: E com toda a tua força o teu poder e todo o teu coração - conserva-a para teus filhos e ama-a como Deus nos ama a todos. De uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus, esta terra é por ele amada. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."



-Esta carta é um texto de domínio público distribuído pela ONU.





















Um comentário:

  1. Eu lembro dessa carta de quando ainda era pequeno. É realmente muito profunda. Profunda e poética.
    Ótima postagem. ;D

    ResponderExcluir

Os comentários estão sujeitos à moderação. Tenha paciência. Obrigada.